Sobre maçãs e flores

jardineiro

“Mulheres são como maçãs em árvores, as melhores estão no topo. Os homens não querem alcançar essas boas, porque eles têm medo de cair e se machucar. Preferem pegar as maçãs podres que ficam no chão, que não são boas como as do topo, mas são fáceis de se conseguir. Assim as maçãs no topo pensam que algo está errado com elas, quando na verdade, eles estão errados… Elas têm que esperar um pouco para o homem certo chegar, aquele que é valente o bastante para escalar até o topo da árvore.” [texto que recebi como sendo ‘supostamente’ de Machado de Assis]

Nos últimos dias tenho pensado sobre maçãs e flores, sobre grimpas e redomas de vidro, até sobre amizades e amores. E, embora pense bem sobre essas coisas, não as consigo explicar ao falar delas a quem me importa que saiba o que penso. Não conseguindo falar, talvez consiga escrever.

Foi-me dado um texto sobre “melhores mulheres e homens atrevidos” para que aprendesse eu uma lição acerca de coragem e recompensa, acerca de mulheres especiais e homens destemidos. Parece-me que o texto desconhece que mulheres não são como maçãs, não são objetos raros destinados ao consumo dos mais-qualquer-coisa-do-que-os-outros. Mulheres, penso eu, são parte de um plano, são pares de uma dança proposta por Deus, de um acordo que inclui querer e amar mútuos, resolutos e abnegados.

Subir às grimpas de uma árvore, debruçada sobre um penhasco, e de lá trazer o mais vermelho e rubro pomo é sim prova de vontade inabalável e de espírito aventureiro, mas não prova o caráter de um homem. Crianças brincam em árvores e buscam as grimpas só por vaidade. Homens buscam o fruto que lhe tenha valor, que lhe sacie a alma e não o ego.

Por sua vez, maçãs rubras sabem em sua essência que valor algum há na altura em que se prendem às grimpas, mas que no teor de sua polpa, na doçura de sua seiva, na fome que saciará, nestas coisas reside sua importância. Logo, os melhores pomos não se envaidecem da posição e da dificuldade que oferecem, mas sabem que só homens refinados saberão apreciar sua vida, ainda que as encontre verdes, ainda que tenham que guardá-las no calor de suas mãos até que amadureçam. Querem as maçãs de valor ter a certeza de que agradarão ao ser colhidas, que servirão de alimento farto e não apenas de troféu aos atrevidos da vida, essa é a motivação verdadeira, e isso foge aos atrevidos e às fascinadas com a própria altura que as cerca.

Mas, entre maçãs e flores, entre estar livres nas altas grimpas ou precisar de quem as cuide para que sejam belas e os carneiros não lhes destruam, talvez tenham as rosas mais consciência de sua importância. Ainda que não venham mudar o mundo, ainda que nunca se encontrem em alturas dignas dos destemidos-mais-que-todos, sabem as rosas que vivem para fazer mais felizes os dias de quem as cuida, sabem as rosas, de pétalas rubras, de quatro ou cinco espinhos-de-nada, que serem regadas é importante para elas e para as mãos cuidadosas que as umedecem pela manhã.

Sabem as rosas que seu perfume provoca a felicidade gratuita e impagável no coração de quem as cuida e as observa sem se importar com a finalidade grandiosa de sua tarefa; não há prêmios para os melhores tratadores de roseirais, só para os atrevidos escaladores de macieiras abissais.

Vivem as rosas para trazer nas pétalas o toque macio que inebrie os dedos de seu cultor, fazem isso sabendo que em nada sua singeleza será premiada com holofotes; mas como se sentem felizes, como se sentem bem em saberem que seu toque permanece por dias a fio na alma de quem as tocou.

No fim, ainda que menos modestas, são menos vaidosas as rosas, são mais cientes de que um dia o grande criador as fez para serem apenas o que são e agradar tão somente a quem agradam, poucos e agradecidos, não os atrevidos e vaidosos. No fim, sabe cada rosa que valerá a pena um dia em sua companhia pelo bem que faz, porque assim quis fazer, à alma do que abriu mão das glórias e dos pódios para cuidar de pequenas e frágeis rosas.

Sim, as rosas precisam de redomas, que as protejam das intempéries e dos predadores, enquanto as maçãs se gabam da liberdade irrestrita que desfrutam nos cumes das macieiras; mas pobres maçãs, não há quem as queira quando acordam sem viço, ou o tempo lhes azeda um pouco; todavia, cada pétala da rosa querida, ainda que perca o viço, é guardada nas páginas de uma vida.

“E nenhuma pessoa grande jamais compreenderá que isso tenha tanta importância.” (última frase de O pequeno príncipe)

Tom Fernandes

23 comentários Adicione o seu

  1. Kelly disse:

    Amei!
    Muito bom mesmo!
    Postei o link no meu blog.

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  2. Tininha disse:

    Há uma cena linda no filme do Pequeno Princípe, no diálogo entre o pequeno e a raposa. O pequeno diz que se vai e a raposa chora; então, o pequeno sem entender o motivo das lágrimas pergunta porque a raposa chorava (lembrando q a raposa ensina o ‘segredo’ do amor) e a raposa responde: “Você me fez sentir importante!”
    Não posso dizer sobre as outras mulheres, mas posso afirmar q a mulher q é amada se sente importante e essa importância faz toda a diferença e não lhe dá receios quando está no meio do jardim cercada por outras rosas…
    Obrigada, Tom… você deveria escrever um livro (se é q não escreveu ainda). =)
    Deus o abençoe muito e lhe inspire cada vez mais pra nos enriquecer!

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  3. Vilma disse:

    Gostei muito Tom.
    Eu já conhecia esse texto, e na verdade, a maçã lá em cima sempre me fez pensar em orgulho, algo inalcançável.
    Apreciei bastante a tua interpretação e visão.
    Uma mulher inalcançável como a maçã no topo da árvore, está distante demais do coração de quem quer que seja.
    Um abraço amigo.

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  4. Dayane disse:

    Ola Tom,

    Fico inebriada com seus textos… Esse foi um dos que mais me tocaram.. Consegui sentir no corpo e na alma cada palavra… Me sentindo como “maça e flor” … cada uma com sua essência e importância…
    Obrigada por compartilhar com esses ‘reles’ mortais… suas inspirações…

    Beijos

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  5. GG disse:

    Caraca, Tom… quase chorei.
    Excelente!

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  6. Tom, o que dizer desse texto senão que ele é sublime? Parabéns, mil e uma vezes, parabéns!!

    Não vou nem pedir licença… tenho urgência em publicar esse texto no meu blog, com os devidos créditos, lógico.

    Continue assim!!

    Forte abraço – Adriana

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  7. Entre ser um “destemidos-mais-que-todos”, melhor optar por ser um jardineiro de rosas, mesmo correndo o risco de machucar-se com seus poucos espinhos.

    Excelente texto!

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  8. Que textos lindos!! Amei, e me identifiquei com as rosas. Visitarei mais vezes seu blog, parabéns pela sensibilidade, que também é uma raridade nos tempos de hoje.

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  9. Givaldo disse:

    Salve…
    Na boa, evitei ler os comentários, por isso se eu for repetitivo, desculpe.
    O texto é muito bom, delicioso. É uma forma de refletir sobre essa vaidade e ego que circunda todo que encontramos por aí. Parabéns… Espero que vc tenha uma rosa para que seu toque seja recordado.
    Talvez eu precise regar um pouco mais o meu canteiro..
    Abraços

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  10. Betania Pirola disse:

    Cheguei aui através do FB da Ana! Raramente vou. Estes links, principalmente se estou nesta telinha do meu Blacberry, rs
    Mas hoje valeu a pena! Amei o texto! Depois passo pra conhecer mais seu blog.
    Abcs

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  11. Rômulo disse:

    Bom Tom,

    A frase da Bruna Surfistinha não me sai da cabeça: “Entrei nessa porque quis, e vou sair, da mesma maneira, porque eu quero.”
    É isso aí moço, no que pese uma vida de regras ou de excessos, amar é sempre uma decisão!
    Ninguém escolhe de quem vai gostar, mas o amor é uma decisão diária!

    Bom dia então pra ti com maçãs e rosas!

    (Mas não se esqueça de que o pequeno príncepe era, na verdade, um cara mal, que matava baobás!!! @@ kkkkkk)

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  12. Muito sábio Tom. Todas as roseiras do mundo terão em anexo a generosidade desse texto…

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  13. Muito sábio Tom. Todas as roseiras do mundo terão em anexo a generosidade desse texto…

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  14. Will disse:

    Embora suspeite acerca da autoria do texto através do qual se baseou a reflexão, alegro-me por ser um grande admirador das rosas. Como as mulheres, elas são suficientemente belas em si.

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  15. Inês disse:

    Muito lindo, e como sempre sensível, revelando o imperceptível. Vou passar pra meus alunos, posso? Na vida de ficantes que têm precisam saber disso!

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  16. Sensível e estiloso. Faço coro aos demais.

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  17. menosehdmais disse:

    Legal o texto, o que me faz repensar na perfeição do Criador, que nesta simbiose concedeu rosas aos espinhos.

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  18. Sempre odiei esse texto sobre “mulheres e maçãs” que é atribuído a Machado de Assis. Excelente reflexão.

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  19. Muito bom Tom, gostei da valorização das rosas. E da “caça as mais altas maçãs” se tornando , quase que como um … levado pelo puro instinto do homem, em grande parte das motivações para alcançar o topo.

    A rosa além de ser o orgulho de quem a cuida, serve a ele e outros , encherem os olhos e o coração com o seu explendor e durabilidade. De fato, sem encargo, sem vontade , nenhum homem conseguirá cuidar das pétalas avermelhadas, mantendo o brilho, a firmeza do caule, a cada dia, a tempo e fora de tempo, com o tic tac do relógio anunciando o longe , mas inevitável desbotar…

    E brilho e cores que continuam até o fim, a brilhar os olhos do cultivador.

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  20. Sou amigo de um escritor excelente!

    p.s. se posso chamar de amigo..

    =]

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  21. Rita Ribeiro disse:

    Adorei encontrar seu texto, e ler foi uma boa surpresa. Beijos!

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