Pra que serve a apologética?

Sou o famoso chato. Além de procrastinador [nome terrível], sou chato. Sei que a eterna arte de deixar tudo pra última hora só não entrou no hall da fama dos pecados capitais por culpa de alguém procrastinando. Mas não sei de quem é a culpa de minha chatice. Acostume-se, tentei mudar, mas sou chato. Fazer o quê?

Sou chato principalmente sobre as questões de fé. Não sou descolado. Não sou fundamentalista. Você tampouco me terá em cima do muro. Simplesmente porque tenho mais o que fazer do que tentar me equilibrar em cima de muros. Ou não. Mas não gosto de muros, não sou descolado nem fundamentalista. Ateu? Herege? Chato!

Creio em demônios, sim, mas não acredito neles. Nem nos da old school nem nos modernos e modernosos. Creio menos ainda nos seus exorcistas. Vá por mim, a cada dez rituais de exorcismo; em nove, nem Deus nem o capeta se fazem presentes. Mas o negócio funciona como serviço público, é preciso criar cabides de emprego pra tanta gente com medo de dar a cara a tapa por conta própria.

Creio em Deus, sim, e acredito nele. Acredito a ponto de não me preocupar com o que falam dele ou em nome dele. Acredito em Deus por motivações minhas, não por conta de algum interesse ou vantagens resultantes da coisa. Mas não me peça pra ficar uma hora na frente da TV, ouvindo pessoas definindo Deus. Depois o chato sou eu.

Creio que hoje é sempre o oitavo dia, o dia do recomeço. O oitavo dia é sempre meu. Não me importo em saber se Gênesis é literal ou literário, não quero saber de onde veio a semente que deu origem ao mais lendário pé de maçã da história. Importo-me apenas que o oitavo dia é o dia do homem bater perna e correr atrás do que lhe importa. Disso não tenho dúvida.

Quais são as minhas dúvidas? Poucas. Dúvidas de quem tem poucas certezas. De quem é chato porque acha tudo isso muito aborrecido. Acho os extravagantes enfadonhos. Detesto gente babando no chão e se contorcendo por excesso de Coca-cola com açúcar e dizendo que foi o toque de Deus. Aborreço-me facilmente com gente que fala demais sobre o mesmo assunto. Falta de assunto é sinal de qualquer coisa, menos de espiritualidade. Bocejo na cara de quem vem me contar o testemunho de prosperidade que ouviu falar de alguém ou que viu na TV. Tenho a impressão de quem vive o evangelho da prosperidade também se casou apenas pelas vantagens de ter sexo, casa arrumada e alguém obrigado a aturar suas canhestrices.

Até esta coisa de ser descolado me aborrece. De trocar o nome das coisas. De chamar igreja de ‘outra coisa’, de falar que é contra a religião, de chamar Coca-cola de chá-com-gás e continuar tomando quatro litros por dia, mas metendo o malho em quem toma sua coquinha feliz da vida. Toda vez que alguém me chama pra ir a um lugar que ‘não é igreja’, ouvir alguém que ‘não é pastor’ falar algo que ‘não é pregação’, além de contribuir com algo que ‘não é oferta’ e devolver algo que ‘não é dízimo’ pergunto se posso participar daquilo que ‘não é ceia’ tomando um líquido cevado e gelado, mas que ‘não é cerveja’.

Mas tem uma coisa que me transtorna, que me deixa mais chato ainda. Os apologistas. Meu Deus, de onde veio essa gente? Até hoje ninguém me tirou da cabeça que a apologética é uma coisa criada pela concorrência, só pode. Esta semana soltei no meu twitter [cerca de 600 seguidores, metade evangélica]: ‘Pra que serve a apologética?’. Resultado? Vinte unfollows em poucos minutos. Nenhuma resposta. Engraçado, os apologistas não respondem o que são, não gostam que se pergunte o que são e apelam com quem pergunta. Acho que, na verdade, não sabem o que são.

O Aurélio diz que ‘apologia é a arte de defender, justificar, promover’. O que vejo os apologistas evangélicos defendendo é qualquer coisa menos sua fé. Defendem suas crenças, seus usos e costumes [mesmo os apologistas que são contra os usos e costumes tradicionais], seus dogmas, suas visões de céu e inferno, seus projetos políticos e suas visões de mundo.

Sempre achei uma falta de ter o que fazer ficar explicando porque o cristianismo é uma religião melhor que a adoração ao santo abacateiro temporão. Tenho suspiros dignos do Charlie Brown ao ver extravagantes versus neopentecostais versus pentecostais versus reformados versus católicos versus ortodoxos versus todo-mundo. Se fé fosse sexo, apologia seria masturbação. Já viu alguém feliz em seu casamento defendendo o tempo todo as bases de sua escolha e as dez razões irrefutáveis porque se casou com a Aninha e não com a Joaninha?

Quer minha definição? Pois bem, apologética é a arte de falar sobre algo que você não tem a coragem de viver. Talvez seja só chatice minha. Eu sou mesmo um chato. Mas também sou um palhaço sem circo, do tipo que faz pra graça pra todo mundo, mas não pra qualquer um.

[Este foi meu primeiro e único texto para o blog dos 30 autores. O blog fechou. Talvez porque eu e outros autores não tenhamos honrado o compromisso dos textos mensais. Não sei. Não espero que goste deste texto, mas espero que comente as idéias e opiniões. Abraços.]

24 comentários Adicione o seu

  1. Walter Cruz disse:

    Vai uma assinatura da revista Defesa da Fé aí? (lembra dela?) #trollmiguxo

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    1. @tomfernandes disse:

      Que pena, pensei que você ia me oferecer a TFP. Prefiro muito.

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  2. Kiara Guedes disse:

    Quintana já dizia que os amigos são nossos chatos favoritos. E mesmo Não sendo sua amigo, vc nào sendo seu amigo. Gostei muito da sua chatice!=)
    beijos, meus.

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    1. @tomfernandes disse:

      Obrigado, moça. Apareça sempre.

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  3. Walter Cruz disse:

    Você é tão chato que mais um pouco vira apologista só por mérito. #trollmiguxo

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    1. @tomfernandes disse:

      Que isso, Walter, você que é um doce de pessoa.

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  4. Rodrigo disse:

    VIXI, ACHO QUE SOU UM PROCRASTINADOR APOLOGÉTICO DO CORINTHIANS!!!

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    1. @tomfernandes disse:

      Coringão é campeão, precisa de apologética não.

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  5. Walter Cruz disse:

    Apologia – é usarmos os modos de Apolo para falarmos do Logos!

    Se se em João temos o Logos que se fez carne e veio acampar entre nós.. O nosso Logos -> a encarnação de Deus em nós disse até loguinho e se pirulitou daqui!

    Só ficamos com o Apolo, nem vimos que o Logos já não é mais entre nós! A graça da Apologia é que é muito fácil pra qualquer criança ver que o rei está nu.

    Gostei muito da tua analogia do oitavo dia. Como diz o filho de Deus, o meu pai trabalha até agora, e eu também. Que nós possamos ouvir esse chamado e lutar pela fé que uma vez foi dada aos santos, do jeito descrito em Judas: não em palavras, mas vivendo a melhor vida que nos é possível. Essa sim é a verdadeira apologia.

    Finalmente um comentário não miguxo, embora tão idiota quanto.

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    1. “é usarmos os modos de Apolo para defendermos nossos logotipos”
      Apologia pode ser uma forma de vender design…

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  6. Kelly disse:

    oie!
    Mais uma vez gostei muito (acho que sempre comento isso!!). Mas dessa vez não concordo completamente. Tenho convicções diferentes, mas sou chata o suficiente para, como vc, não ter paciência com discussões que nunca chegarão ao fim, uma vez que fé não é algo que se convence o outro a ter.
    Sempre saio no lucro. Pude descobrir que não estou sozinha na chatisse e por isso podemos conversar sempre.

    Como é bom conviver com quem não pensa como nós! \o/
    Acredito que só assim podemos crescer!

    Muito obrigada pelo espelho.

    bjoks

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  7. Grande Tom, maravilhoso seu texto.
    Me vi nessa jornada insegura e insana pela verdade e no fim dessa cansativa e intolerante jornada, descobri que não há verdade para se defender, mas para se viver, deslumbrar diante do Numinoso misterium, deste sagrado incompreensível, indefensável, desapologetizado Deus.

    O problema que vejo é que durante muitos anos vivemos sob a égide da tal batalha espiritual, a guerra acabou, mas esqueceram de avisar aos soldados.

    Se for dizer de que sou defensor, não sou de Deus, mas da vida, desta que ele me deu e que muitas e muitas vezes não a levo em consideração, da beleza que é acordar de manhã e ver o sol brilhando, as árvores dançando, a chuva caindo e crianças brincando e vejo quanto tempo perdi tentando defender Deus das “heresias”, quando na verdade estava cometendo a maior, deixar de viver.

    Um texto chatosamente maravilhoso. hehehehe

    Paz e bem

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  8. Rap disse:

    Só lembrando Tom, que ao criticar uma apologia você está simplesmente fazendo outra hehe

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  9. prjulio disse:

    Aceita mais um chato aí…to me candidatando!
    Texto Tom Bom!

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  10. Kennedy Lucas disse:

    Excelente texto.

    Estou lendo atualmente um livro chamado “Não tenho fé suficiente pra ser ateu”, um clássico livro de apologética. Primeiro que leio sobre o assunto. E estou gostando.

    Útil principalmente pra quem quer ou precisa de alguma forma, defender sua fé. Pra converter ateus já é uma ferramenta com utilidade questionável devido à arrogancia dos ateus de hoje em dia… em fim.

    Abs!

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  11. Walter Cruz disse:

    “A apologética tenta provar que o cristianismo responde às perguntas da humanidade, que ele é verdadeiro e superior às outras religiões. Fica evidente que isso limita nossa discussão ao nível religioso. Somos capazes de demonstrar que o cristianismo pode conduzir um debate razoável. Ocorre porém que esses debates entre intelectuais são totalmente estéreis; um jamais chega a convencer o outro. Nenhum apologeta chegou a trazer um incrédulo para a fé, mesmo os que sabiam que haviam vencido a retórica do adversário. A abordagem meramente lógica e intelectualista leva a um beco sem saída. O intelecto não é capaz de invocar ou demonstrar o caminho da fé.”

    http://www.baciadasalmas.com/2005/fe-e-crenca/3/

    Viva Ellul!

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  12. Irene Costa disse:

    Sendo uma apologista da fé “inquebrantável”, e ao mesmo tempo sua amiga, tenho que me conformar com o que me disse certa vez, sobre eu ser uma “certa única”… Lembra? Pois é. Acho que dá pra conciliar.

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  13. pAULO disse:

    Que “Chato” né? Comentar algo que virou rotina! Um monte de gente revoltada como vc! é realmente “chato”!

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  14. Messias disse:

    Olá Tom. Eu tambem sou um chato.

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  15. Guilherme Xisto disse:

    Gostei muito do texto, principalmente por nos mostrar o que realmente importa é assumir o oitavo dia com os valores de Deus, isso sim faz sentido, isso sim tem valor, isso sim, acredito eu, nos faz trazer o Reino de Deus. Abraço!

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  16. Fiquei decepcionado com os comentários, não tem ninguém discordando…

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  17. Roger disse:

    Odeio dizer isso mas também me considero um chato, mas passo de longe dos apologetas chatos.

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  18. Luiz Cesar disse:

    Não precisa fazer apologia de chatice Tom, só continue sendo, todos entenderão 😉
    Jesus não precisa de “apologética” a Bíblia diz que ele é Advogado, ou seja, entendo que ele sabe se defender sozinho, vou ficar com o papel de filho que sou mais feliz assim.
    Abraços

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